terça-feira, 17 de julho de 2012

Luto compartilhado é novo fenômeno nas redes sociais

IARA BIDERMANDE SÃO PAULO
Um agora está em um relacionamento sério, outro comeu um bolo delicioso, um já vai dormir. E aquele morreu.
As pessoas falam o que quiserem de suas vidas privadas nas redes sociais. Por que não falariam da morte?Porque ninguém quer ler mensagens mórbidas espremidas entre o post da balada da noite anterior e as últimas fofocas de celebridades, argumenta a colunista americana Jenna Worth, em seu blog "Digital Diary" (diário digital), publicado no site do "New York Times". Worth vive das redes sociais, está integrada a essa vida, mas não se sente à vontade para compartilhar o luto on-line.
Marcelo Justo/Folhapress
Já o pesquisador Alex Primo, professor de comunicação e tecnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, acha a coisa mais natural do mundo. "Por que a morte tem que ser privada? É uma convenção cultural. Compartilhar o luto pode ser menos estranho do que visitar um cemitério."
Mas, para quem não é usuário pesado das redes, a internet pode não ser o melhor lugar para expor a morte.
"Também acho que a internet não foi feita para transar ou arranjar namorado. Mas tem gente transando e se casando pela rede. Poderiam também trabalhar o luto virtualmente", diz o psicanalista Oswaldo Leite Netto.
VELÓRIO SEM FIM
No mundo on-line, há lugar para expressar dor e receber mensagens de apoio.
"É natural que as redes sociais sejam usadas em momentos de perda. Podem ser de grande ajuda", diz a professora de psicologia Maria Julia Kovács, coordenadora, na USP, do laboratório de estudos sobre a morte.
Como todo novo fenômeno, é difícil julgar os desdobramentos do luto on-line.
"Não acredito que a internet possa ajudar nesse processo. Quando um momento fica registrado no mundo virtual, nunca pode ser apagado. Seria como um velório que não acaba nunca", diz a psicanalista Claúdia Arbex, do Instituto Sedes Sapientae, de São Paulo, que pesquisou os lutos que não se encerram.
NEGAÇÃO
Manter páginas do morto e alimentá-las indefinidamente com fotos e mensagens, a título de homenagem, é mais problemático.
"Pode ser algo alucinatório, no sentido de negar o que aconteceu. É mais impactante e mórbido receber 'atualizações' de quem já morreu. Ficar nessa virtualidade borra os contornos do que é uma existência e do que é uma lembrança", afirma o psicanalista Leite Netto.
Alex Primo discorda: "As pessoas acham loucura escrever no perfil de alguém que morreu, porque o destinatário não está lendo. Mas talvez o destinatário seja a própria pessoa que escreve, para manter o que ela tem: a memória da pessoa que perdeu."
O abraço não acontece na tela e é precisamente a possibilidade de prestar solidariedade sem comparecer fisicamente que faz muita gente achar a internet uma boa ferramenta para viver os constrangimentos da morte.
"As pessoas dizem ter dificuldade de lidar com o sentimento [da perda], querem desabafar, mas não conseguem falar cara a cara. Para elas, falar da morte no 'Face' é um alívio", diz Viviane Lima, a criadora de "Lágrimas no Céu", página do Facebook que reúne pessoas que estão lidando com perdas.
A página foi criada para um estudo que Lima faz sobre a morte na internet. Em sua pesquisa, ela tem visto que a maioria se sente mais à vontade para falar do assunto na rede do que "ao vivo". "E isso por dois motivos: o fato de não precisar ficar cara a cara com alguém que está sofrendo e a chance de atingir outras pessoas, que você nem conhece, que estão passando pelas mesmas coisas."
Exibir a dor é uma forma de chamar a atenção para si. "Falar de morte e sofrimento é algo que mobiliza. Quem está sofrendo se sente bem em ser alvo de compaixão, mesmo que virtualmente", diz o psicanalista Leite Netto.
A possibilidade de os posts sobre a pessoa querida que morreu serem replicados e atingirem qualquer um também é um desafio para quem vai postar. "Podem ser publicadas coisas que causem danos à imagem tanto da pessoa perdida quanto da pessoa enlutada", diz Kovács.
O risco não é grande, segundo quem viveu o luto on-line, como o escritor José Ruy Gandra, que teve o post sobre a morte do filho replicado viralmente.
"No Facebook, as pessoas se colocam mais, mas querem mostrar o que têm de melhor, não de pior. É mais fácil e mais comum que demonstrem a compaixão."

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